Em Portugal, o pecado não morava ao lado. As viúvas amortalhavam-se atrás
de um lenço preto para o resto das suas vidas (e a Guerra Colonial “produziu”
tantas e tão novas) e o casaco de malha, sem forma, constituía um sinal
exterior de auto-infligidas modéstia e penitência. Em 1977, a produção da Rede
Globo de Televisão, Gabriela, Cravo e
Canela, transmitida pela RTP, tomou de assalto uma sociedade a que o
escritor brasileiro Antônio Torres chamara “o país dos homens dos pés redondos”,
paisagem humana onde não só a televisão era a preto e branco. De Norte a Sul,
do Parlamento ao mais remoto monte alentejano, a telenovela brasileira surpreendeu
tudo e todos, não apenas com uma nova forma de representar e contar uma
história no pequeno écran, mas também com outros modos de viver a sensualidade
e o corpo. Gabriela foi uma explosão
de erotismo e liberdade no horário em que, poucos anos antes, se viam e ouviam
as “Conversas em Família” de Marcello Caetano ou os telejornais retalhados pela
Comissão de Censura, Da paixão ao mimetismo da linguagem, das atitudes e do vestuário das personagens mais carismáticas não demorou muito. Num tempo em que escasseavam as revistas femininas (a mais popular era a Crónica Feminina, muito tradicional nas suas opções) e num país sem industria de moda digna desse nome (Ana Salazar começaria a afirmar-se junto da classe média alta no final dos anos 70 e os restantes criadores, mais tradicionais, trabalhavam apenas para as elites) só a Televisão tinha capacidade de sugerir consumos á classe média, nomeadamente à juventude. Em breve, veremos as raparigas das escolas a comprarem réplicas do crucifixo da Escrava Isaura ou do brinco em forma de raio ou da bolsa de franjas usada por uma muito jovem Glória Pires na telenovela Água Viva. Um breve olhar pelas publicações da época demonstrará que, graças à novela Dancin' Days, marcas brasileiras como os jeans Staroup entrarão pela primeira vez no nosso país, prometendo aos seus potenciais compradores o charme das noites cariocas, as mesmas onde se movimentavam Cacá (Antonio Fagundes) e Julia (Sónia Braga), com os seus soquetes de lurex colorido, bem à vista sob as sandálias vermelhas de salto, e top minúsculo.
Conformista ou revolucionária, austera ou excêntrica, a Moda tem uma História. Social, económica, cultural. Sempre fascinante.
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