segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Um novo fulgor para a imprensa de moda

 



Foi nos Estados Unidos, e mais tarde em Inglaterra, que surgiram dois títulos históricos, ainda hoje  referências absolutas nos mundos da Imprensa e da Moda. Falamos, naturalmente, da Harper’s Bazaar e da Vogue. A primeira começou a publicar-se nos Estados Unidos em 1867 (primeiro como jornal, depois como revista mensal a partir de 1901), saindo a edição britânica em 1929. Os Estados Unidos seriam também a pátria original da Vogue, com o primeiro número (também em formato de jornal) a sair em 1892, seguindo-se, em 1916, a Vogue UK e em 1920 a Vogue Paris. Curiosamente a quarta edição internacional da revista só apareceria em 1964, em Itália.
 
 
A longevidade do poder (talvez hoje mais forte do que nunca) destas duas publicações, qualquer uma delas com dezenas de edições internacionais em culturas tão diferentes como a India, a Rússia ou o Japão, explica-se em boa parte pelo impacto que ambas exercem quer no funcionamento da indústria da moda, quer no imaginário do público.
 
Portugal não passou ao lado do gosto crescente por este tipo de imprensa.
 
 
 
 
 
 
Fotos: Hemeroteca Municipal de Lisboa

sábado, 28 de dezembro de 2019

Há 100 anos, a maior revolução na moda feminina

A actriz Louise Brooks no filme Loulou, de G.W.Pabst (1929)

A revolução na moda que acompanhou a mudança de costumes não se iniciou nos anos 20. Começou a insinuar-se ao longo da década anterior, com o aligeiramento da silhueta feminina a ser compensada pela riqueza dos tecidos. Em Paris, nos anos imediatamente anteriores à Guerra, Paul Poiret libertara as suas (ricas) clientes dos espartilhos para lhes propor formas inspiradas no que ele pensava acontecer nos serralhos do Médio Oriente: calças e saias largas e fluídas, casacos e peitilhos de vestidos ornamentados como tapeçarias sumptuosas.
Nos anos seguintes, outros criadores de sucesso trabalharão em prol de uma maior liberdade de movimentos para as mulheres. Será o caso de Jean Patou (autor de todo um novo conceito de moda sportswear feminina, nomeadamente para tenistas) mas sobretudo o de Coco Chanel que, a partir da sua primeira loja na estância balnear de Deauville, no final dos anos de 1910, iniciou uma revolução sem precedentes na História da Moda feminina. Senhora de um determinação única, esta mulher, órfã de mãe e abandonada, pelo pai, num lar de religiosas, tinha pouca consideração pelos “bem-nascidos” e pelos sinais exteriores do seu poder. A silhueta das mulheres da Belle Époque, com os seus chapéus monumentais e cinturas impossíveis, deixava-a horrorizada. Chanel subiu as saias, introduziu as calças amplas, os casacos e camisolas cardigãs, mais tarde o petite robe noire de cocktail. Esta aparente simplicidade, a que os seus detractores chamavam “moda pobre”, era compensada por uma profusão de acessórios desde os colares de pérolas, os alfinetes de peito (nomeadamente as camélias brancas que se tornaram um símbolo de Chanel), as luvas e os sapatos que, com as bainhas subidas, conheceram um novo destaque. O importante era assegurar à mulher uma nova liberdade de movimentos quer na cidade, quer no campo ou na praia, cujos encantos foram redescobertos também nesta época.
Mas se a maioria não tinha acesso a roupas de Chanel ou Jean Patou, nem por isso deixavam de seguir as tendências. Um pouco por todo o Ocidente, a imprensa destinada às mulheres passa a dar uma nova atenção à moda, publicando ilustrações ou fotografias dos modelos de Paris que as clientes, por sua vez, levavam às suas modistas. Algumas revistas passaram mesmo a incluir moldes que facilitavam a tarefa a profissionais e amadoras.
Ao alcance de todas parece estar o novo corte de cabelo, dito à garçonne ou à Joãozinho, como se lhe chamará em Portugal e no Brasil. Mal visto pelas habituais ligas da moral e dos bons costumes que não tardaram a invocar a perversa masculinização da mulher (a começar pelo autor do romance La Garçonne, Victor Marguerite, publicado em 1922), a tendência cresceu irresistivelmente, da China a Los Angeles, da Moscovo soviética ao sertão brasileiro. Unia capilarmente uma dactilógrafa ou uma professora primária a “estrelas” de cinema como Louise Brooks ou Clara Bow.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Balenciaga, o rigor é fogo que arde

A paixão pelo rigor que sempre distinguiu Balenciaga entre os seus pares adquiriu-o ele nas oficinas de alfaiataria de San Sebastian, onde foi aprendiz, como a Casa Gómez ou a New England. Aí adquiriu as competências que Chanel lhe reconheceria: as artes do corte e da costura e até as de tirar medidas aos clientes, tarefa que o costureiro, mesmo no auge do prestígio raramente delegava nos colaboradores. Em plena Iª Grande Guerra, ousou abrir a sua própria casa (a que deu o nome da mãe, Eisa, com quem manteve sempre uma ligação muito forte) no número 2 da Calle Vergara, em San Sebastian, beneficiando um pouco da neutralidade da Espanha no conflito e das praias bascas se tornarem, por causa disso, uma alternativa de férias para alguma aristocracia europeia. O seu nome afirma-se. Entre as suas clientes, para além das filhas da casa Torres, contam-se a Rainha de Espanha, Victoria Eugenia (avó de Juan Carlos)  ou a marquesa de Llanzol, Sonsolez Icasa (1914-1996), amante do braço direito (e cunhado) de Franco, Serrano Suñer, e uma das mulheres mais bem vestidas da Espanha do seu tempo. 
Com a implantação da República espanhola em 1931, Balenciaga compreende que os tempos de "vinho e rosas" de San Sebastian pertencem ao passado e abre lojas em Madrid e Barcelona. Só a Guerra Civil e as suas terríveis consequências o levarão a abandonar Espanha em 1937 e a fixar-se em Paris, que era então a incontestada capital mundial da moda. Uma lenda acabava de nascer.
Reservado e elegante, este basco, belo como uma "estrela" de cinema, resistiu com sucesso ao folclore mediático que já então dominava o negócio. As guerras histriónicas que opunham Coco Chanel a Elsa Schiaparelli nada lhe diziam, o espectáculo montado, no pós  IIª Guerra  Mundial, em torno do "New Look" de Christian Dior desesperavam-no. Considerava tudo isso ruído obsceno que o distraía do essencial, a paixão pelo rigor que, nele, ardia sem se ver: como se os detalhes visíveis e invisíveis de um vestido fossem um corpo de amante.

Em Paris, Balenciaga repete o mesmo sucesso que obtivera no seu país, mas torna-se um fenómeno global.  Entre as suas melhores clientes (ou devotas, tal era a dedicação que lhe consagravam) contavam-se a Condessa von Bisnarck, a duquesa de Windsor, Jackie Kennedy e sua irmã, Lee Radziwill, Helena Rubinstein, Bunny Melon, Begun Aga Khan III, Ava Gardner, Grace Kelly, Ingrid Bergman, Marlene Dietrich e Lauren Bacall.


Balenciaga tinha então a reputação de ser o costureiro mais caro de Paris e mulheres como estas sabiam porquê.