terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Dez anos sem Alexander McQueen



                                                                    Beleza sem filtro

"O amor não vê com os olhos, mas com a mente." Esta frase, extraída de Sonho de Uma Noite de
Verão, a comédia mais celta de Shakespeare, está inscrita na lápide de Alexander Lee McQueen, sobre campa rasa, na ilha de Skiye, na Escócia, tal como estivera tatuada na pele do designer que se suicidou aos 40 anos, na véspera do funeral de sua mãe. Arrepio-vos? Tanto melhor, pois era exactamente esse o efeito que McQueen gostava de produzir. Herdeiro de um imaginário próximo das grandes histórias de amor e morte "devoradas" pelos leitores vitorianos, fossem eles a operária fabril ou a própria Rainha de Inglaterra, declarava, evidentemente apaixonado pela humana condição de mortal: "É importante encarar a morte porque ela é parte da vida. É uma coisa triste, melancólica, mas romântica ao mesmo tempo. É o fim de um ciclo - tudo tem de terminar e é isso que nos deixa espaço para coisas novas."
Este homem que testava permanentemente os limites técnicos e mentais da sua Arte, este iconoclasta
que jurou ter escrito obscenidades no forro dos casacos do Príncipe Carlos (o que os seus patrões de
Saville Row desmentiriam), foi, aos 27 anos, convidado a assumir a direcção da histórica casa
Givenchy, cujas criações ele colocava na secção “roupa para velhas com dinheiro”. Com a sua troupe
barulhenta, calçada com botas da tropa, mudou-se para Paris e tomou a Avenue Montaigne de assalto.
As primeiras críticas da exquise imprensa francesa, pouco à vontade com a chegada dos britânicos às
tradicionais maisons de couture (John Galliano, outro sobredotado, estava então na Dior) não são
simpáticas. Mas McQueen não se deixa intimidar. Aos jornalistas dirá então: “Quero que as pessoas
saiam de um desfile meu deslumbradas ou horrorizadas, quero é que sintam uma emoção.”
Manteve-se na Givenchy até 2000, sem nunca ter abandonado a sua própria empresa, em Londres. O
trabalho intensificava-se de forma assustadora e McQueen não era homem para delegar o mínimo
pormenor. Tornou-se ansioso, obsessivo, consomia doses crescentes de drogas que lhe permitiam
suportar tamanha pressão. Querendo expandir o negócio, cedeu 51 por cento da Alexander McQueen à Gucci, mantendo, no entanto, o controlo criativo das colecções. Dois anos depois lançou o primeiro de dois perfumes e, em 2003, recebeu da Rainha Isabel a ordem do Império Britânico. Em 2004
apresentava a primeira coleção para homem e em 2006 a sua linha mais acessível – McQ.
Era como se tivesse calçado os malditos sapatos vermelhos da história infantil: Não conseguia parar,
cada vez mais irascível e tirânico, mais rico, mais elegante e, no entanto, cada vez mais sombrio. O
predador de si mesmo. Em 2001, a colecção Voss foi apresentada num espectáculo perturbador, em
que as modelos desfilavam no interior de uma caixa de vidro, culminando tudo com a abertura de um
cofre gigante onde, reclinada sobre um canapé, estava uma mulher nua e obesa, coberta de borboletas
da traça.
Judith Thurman , escreveria mais tarde na revista New Yorker: “Penso que ele era Ariel, Caliban e
Prospero numa só pessoa. A sua musa era Miranda, mas ao contrário da personagem de A
tempestade, ela cresceu selvagem, entre brutos, ferida e desafiante.” Mesmo em Paris, entre
champagne e macarrons, ele nunca perdera o fascínio pelo lado negro da beleza: Continuava a ser o
miúdo que não resiste a desmanchar os brinquedos para ver do que são realmente feitos.
Em 2010, a morte da sua mãe, vítima de cancro, foi mais do que poderia aguentar. A 11 de Fevereiro
desse ano, depois de encher a casa de velas numa montagem cénica digna dos seus desfiles,
enforcou-se, deixando um gentil pedido de desculpas aos irmãos. O mito de Alexander McQueen
acabara de começar. Tanto no Metropolitam Museum of New York (em 2011), como no Victoria & Albert, na sua amada Londres (2015) pulverizaram records de afluência. Confirmava-se a profecia que o próprio fizera ao mundo no princípio da sua carreira: “Deem-me tempo e eu dar-vos-ei a revolução.”

sábado, 8 de fevereiro de 2020

And the Oscar goes to...





Não é Moda, mas Cinema.

Serve para caracterizar personagens, épocas, ambientes. Mas nunca poderemos descurar a influência que muitas das nossas personagens preferidas exerceram sobre as nossas escolhas de guarda-roupa.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Nunca sem baton



A culpa deve ser de Marlene Dietrich. No filme Dishonored (de Josef Von Sternberg, 1931), a loura mais enigmática do cinema dá vida a uma espia de excepcional coragem que pede um derradeiro instante ao pelotão de fuzilamento. Não implora o perdão de Deus nem apela à compaixão dos juizes. Saca do bâton e retoca a maquilhagem. Nada podia ser mais sedutor do que tão provocadora extravagância. Coquette em vida, a agente X-27 sê-lo-ia também na morte.

O bâton, tal como o conhecemos, é um produto do século XX e deve a sua democratização comercial a pioneiras da cosmética como Helena Rubinstein ou Elizabeth Arden, que começaram por criar cremes mas cedo alargaram o âmbito das suas atividades a outras áreas. Nas primeiras décadas do século, estas empresárias tomaram consciência de que as mulheres que começavam a assumir funções profissionais já não se sentiam confortáveis com a austeridade da época vitoriana, que dividia o sexo em duas categorias estanques: as respeitáveis e as outras. Em plena Segunda Guerra Mundial, com o mundo de luto trajado, Elizabeth          
Arden ousou mesmo criar um bâton vermelho. Perante o escândalo de alguns, a nova moda tornou-se rapidamente um sucesso fulgurante de vendas. Até hoje.
Apesar de normalizado, o bâton não perdeu completamente o perfume de subversão que já teve. No Irão, as jovens usam-no contra a apertada vigilância que o código de honra ainda impõe às mulheres. Como quase sempre acontece na História da Moda, este é um sinal inequívoco de libertação. As mulheres assim maquilhadas não estão simplesmente a alimentar um capricho - estão determinadas a não permitir que decidam, por elas, os seus destinos.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Anos 20: Quando a Moda Descobriu o Desporto




A sedução da roupa desportiva e o próprio prestígio social do Desporto são coisas relativamente recentes na História do Ocidente. A excepção (que confirma a regra) eram as práticas relacionadas com a equitação, só possíveis entre quem possuía o bastante para comprar e manter a montada em boa forma. A grande revolução para homens e mulheres, também nesta área, aconteceu nos anos imediatos à Primeira Guerra Mundial, quando o suor e o aspecto bronzeado deixaram de ser tristes apanágios das classes trabalhadoras, para se transformarem em possíveis evidências de saúde e boa forma física ao alcance dos elegantes e ociosos.
Em breve, criadores de moda, como Coco Chanel, “surfavam” esta “onda” e levavam para a vida urbana roupa claramente inspirada nas práticas desportivas, proporcionando às mulheres uma liberdade de movimentos de que nunca tinham gozado. Em breve, teríamos a sociedade elegante da Europa e Estados Unidos a usar vestidos curtos, inspirados no ténis, e calças de golfe em garden-parties, com o elegante Príncipe de Gales (futuro Eduardo VIII) e numerosas “estrelas” de cinema a ditarem a tendência.

O nascimento da moda sportswear

A Segunda Guerra Mundial abalou profundamente as estruturas da sociedade, mas ampliou a indústria têxtil de uma maneira que nem a visionária Coco Chanel poderia ter antecipado. Fibras sintéticas (à cabeça das quais surge naturalmente o nylon) tinham sido exploradas, nomeadamente nos Estados Unidos para serem utilizadas em todo o género de artefactos militares, desde mochilas a paraquedas. Findo o conflito, vê-las-emos reaparecer em pulovers, vestidos, tops, fatos de banho, calções desportivos e roupa para ski, proporcionando um conforto e uma resistência a sucessivas lavagens que o algodão nem sempre garantia. Dessa revolução tecnológica beneficiaram empresas como as alemãs Adidas e Puma, ou a norte-americana Nike.
Nas décadas seguintes, com a moda em crescente processo de democratização, veremos as marcas de sportswear com preocupações estéticas cada vez mais acentuadas, nomeadamente ao nível da coordenação das cores. Por outro lado, há que referir a importância da adopção espontânea de roupa até aí reservada aos recintos desportivos (calçado, camisolas e bonés - os caps - de basquetebol, sobretudo das equipas de sonho que integram a NBA). Se nem todos têm altura ou talento para o basket, podem, pelo menos, usar o cap ou a camisola e apropriarem-se, assim, um pouco da aura dos seus ídolosNão por acaso, um dos modelos de calçado desportivo mais bem sucedido dos últimos anos terá sido o Air Jordan XI, concebido pelo designer Tinker Hatfield para a super estrela dos Chicago Bulls, Michael Jordan. 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Marie Claire: Uma revista na guerra




Nem sempre a Moda consegue ser ligeira como uma toilette de férias.
Nem sempre as revistas que dela tratam podem minorar a angústia de quem as faz e de quem as lê.

Fundada em 1937 em França, a revista Marie Claire, hoje com várias edições internacionais, procurou que as parisienses passassem da melhor maneira possível os anos terríveis da ocupação alemã (1940-1944).

Manteve-se no seu posto, a dar conselhos de moda e de decoração, na percepção de que a beleza é ainda mais essencial quando tudo o mais falta e os corações escurecem.  No entanto, a dor e a incerteza estão lá,  como se pode ler neste editorial "L'Élan de l'Espoir". Estávamos então em Maio de 1940. Menos de um mês depois, as tropas de Hitler entraram, vitoriosas, em Paris.



domingo, 26 de janeiro de 2020

Moda Infantil: Quando nem tudo era azul ou cor-de-rosa





Foram as crianças quem protagonizou maiores transformações no vestuário do século XIX. Os meninos e as meninas da Belle Époque eram os que nós conhecemos dos primeiros postais ilustrados e das colecções de fotografias familiares preservadas pelas avós. As roupas que usavam eram só deles e tendiam a transformá-los em pequenos bonecos amorosos e sempre impecáveis, por maiores que fossem as tropelias.

Para as meninas era o vestido à inglesa, curto, largo, ajustado com uma faixa de seda ou cetim. Ao contrário das mamãs, às meninas era permitido usar o cabelo solto , encanudado ou entrançado, mas sempre coberto por um chapéu de feltro ou de palha, muito amplo.

Nos meninos, durante a primeira infância, o cabelo podia ser usado longo, a ponto de quase não se distinguir irmão e irmã. Recorde-se o retrato que o pintor Auguste Renoir fez do seu filho, o futuro realizador de cinema Jean Renoir, quando este não contava mais de 4 anos. Lá estão os cabelos longos, adornados com um laço branco.

Era, ao cabo de séculos, o reconhecimento da especificidade infantil.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Sua Alteza, o Príncipe de Gales



No século XIX, com revoluções e regicídios a abalarem meia Europa, as monarquias tiveram de fazer charme para sobreviver. Os seus membros passaram a ser mais do que efígies nas moedas e começaram a ser fotografados e vistos em família, em revistas e postais ilustrados. Tornaram-se, entre outras coisas, ícones de Moda e personificações de um lifestyle a que o comum súbdito só podia aspirar.
No auge do Império Britânico, dois Eduardos, o sétimo e o oitavo do nome, avô e neto, deram nome ao fato "Príncipe de Gales", ainda hoje um clássico da Moda masculina. A ideia era manter a elegância na cidade como no campo, no Verão como no Inverno, mostrar descontracção sem parecer -oh, my God - que se trabalhava. Eduardos à parte, o melhor embaixador desta indumentária foi um homem sem pedigree. Chamava-se Cary Grant e o seu reino era feito de cinéfilas extasiadas.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O azul é o céu das morenas - Dress to Impress

"Dress to Impress" foi o lema da Rainha Isabel I de Inglaterra. Embora em privado ela preferisse vestidos simples e fosse capaz de o usar durante dois ou três dias, em público glosava esse tema. As roupas eram um importante sinal exterior de estatuto para os isabelinos e não lhes passava pela cabeça que alguém não se vestisse de acordo com a classe social a que pertencia. Assim sendo, a Rainha tinha de ser a mais majestosa das mulheres.
  Se uma dama da Corte tinha a imprudência de usar um vestido mais belo do que o da Rainha, era tão severamente admoestada como se tivesse incorrido num incidente diplomático. Na verdade, elas sabiam qual era o seu papel em matéria de guarda-roupa: complementar rica, mas humildemente, o visual escolhido por Isabel. Nos últimos anos de vida dela, era-lhes pedido que optassem por vestidos simples, de uma única cor, geralmente branco ou prateado.
  Ao que dizem a maior parte dos (muitos) biógrafos, a paixão de Isabel pela moda teve as suas raízes na infância, quando a sombra da execução da mãe e da sua alegada bastardia a afastou da maior parte dos luxos a que, noutras circunstâncias, tinha acesso uma princesa de sangue real (a tal ponto que uma das suas aias ousou enfrentar o cruel monarca, pedindo-lhe que se condoesse da situação da menina). Este arremedo de psicanálise não explica tudo.
  Na verdade, Isabel I, mais do que qualquer homem seu contemporâneo, era um animal político e cedo percebeu  que a majestade no vestir é parte fundamental do espectáculo que a realeza tem de ser, antecipando em várias décadas aquilo que o Rei-Sol, Luís XIV,faria na França do século XVII

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Onde se fala de Junot e das Manas Perliquiteques

As Manas Perliquiteques. Fotografia de Joshua
Benoliel

O guarda-roupa é elemento fundamental para a caracterização da personagem real ou fictícia. Não admira, por isso, que muitas das personagens mais populares da História das cidades tenham sido fixadas também pelas particularidades da indumentária.

Conforme podemos ler no precioso Dicionário das Alcunhas Alfacinhas, Lisboa não foi excepção a esta regra. Andoche Junot, o General íntimo de Napoleão que comandou a primeira invasão francesa em Portugal, era também conhecido, nas suas andanças lisboetas, como "o botas de veludo" mas não faltaram outros tipos como "o petit janota", "o sapateirinho da Bica", "o veste saias", o "avô dos janotas" ou o "barão das chitas".

Famosas pelo guarda-roupa com que se passeavam em Lisboa na segunda metade do século XIX foram as Manas Perliquiteques. Nascidas numa família de ricos comerciantes, as irmãs Carolina Amália e Josefina Adelaide morreram solteiras e na penúria. O cruel Chiado não deixou de notar o contraste entre as suas dificuldades e o aprumo cada vez mais fora de moda com que se vestiam. Deu-lhes o nome de Manas Perliquiteques que, muitos anos depois, ainda designava quem se vestia com demasiada cerimónia para a ocasião ou para as suas posses.